OU DANTE OU NADA!
Dedico estas linhas a todos os meus amigos que se foram deste mundo velho, tão velho quanto a sombra do Eterno, deixando-me com a impressão de que viver plena e longamente a vida é sentir nas próprias fibras a intensidade daquilo que os outros não sentiram, como por exemplo, as dores das perdas, as angústias das incertezas e os prazeres de viver o que só em vida podemos sentir. (Ruy Câmara)
Hoje acordei propenso e deixar que as minhas ideias sobre a vida se sirvam de algumas palavras que poderão me auxiliar a começar este dia que se inicia com uma reflexão.
Raramente consigo refletir sobre a vida em separado das circunstâncias que me cercam ou que me afligem a cada vez que tomo consciência da complexidade de elaborar nesse terreno.
Começar o dia pensando na vida parece coisa de quem não tem algo mais produtivo com o que se ocupar. Contudo, sem refletir e sem externar um sentimento, as coisas reais, os lugares reais e as pessoas reais perderiam sua razão de ser e, pois, perderiam o seu próprio sentido de existência.
Agora mesmo começo a lembrar das quatro e únicas vezes em que ousei repensar o futuro e, consequentemente, em mudar os rumos da minha vida.
A primeira vez ocorreu quando me vi compelido a ignorar uma vocação real para seguir uma carreira socialmente promissora que supostamente me asseguraria uma velhice confortável e tranquila.
A segunda vez foi quando me vi forçado a deixar o lar paterno para cumprir um compromisso matrimonial que sabidamente não resistiria ao primeiro duelo de temperamentos.
A terceira vez foi quando uma tempestade cambial me fez prisioneiro das armadilhas dos sistemas financeiros e, por excesso de escrúpulos, decidi me libertar de um cárcere empresarial que prometia me anular por toda a restante vida.
A quarta e última vez que ousei refletir sobre o futuro foi precisamente quando perdi minha filha Lia (aos dois aninhos) e comecei a garimpar no oco da existência em busca do que ainda poderia restar de esperanças para seguir a minha real vocação de escritor.
Lembro-me bem que, no momento crucial das incertezas e indecisões, recorri ao poeta oracular, Gerardo Mello Mourão, meu mestre e amigo, que de longe me soprou uma utopia impossível de imaginar: Ou Dante ou nada, querido Ruy.
A primeira vez ocorreu quando me vi compelido a ignorar uma vocação real para seguir uma carreira socialmente promissora que supostamente me asseguraria uma velhice confortável e tranquila.
A segunda vez foi quando me vi forçado a deixar o lar paterno para cumprir um compromisso matrimonial que sabidamente não resistiria ao primeiro duelo de temperamentos.
A terceira vez foi quando uma tempestade cambial me fez prisioneiro das armadilhas dos sistemas financeiros e, por excesso de escrúpulos, decidi me libertar de um cárcere empresarial que prometia me anular por toda a restante vida.
A quarta e última vez que ousei refletir sobre o futuro foi precisamente quando perdi minha filha Lia (aos dois aninhos) e comecei a garimpar no oco da existência em busca do que ainda poderia restar de esperanças para seguir a minha real vocação de escritor.
Lembro-me bem que, no momento crucial das incertezas e indecisões, recorri ao poeta oracular, Gerardo Mello Mourão, meu mestre e amigo, que de longe me soprou uma utopia impossível de imaginar: Ou Dante ou nada, querido Ruy.
Quinze anos se passaram para que eu pudesse compreender verdadeiramente o significado das palavras do mestre Gerado num momento angustiante e incerto da minha vida. E só agora ouso admitir como foi difícil começar a pôr em prática aquele sopro de genialidade e desprendimento.
Parece que a vida é um eterno recomeçar. Pior ainda é a sensação de recomeçar do nada, como por exemplo, a partir de uma página em branco, tendo em mente a máxima: ou Dante ou nada.
Ora, uma página em branco é o vazio absoluto e nada é mais absoluto do que o vazio. Contudo, no vazio da página em branco comporta um ser com toda a sua carga de afetos, aflições, esperanças, desencantos e ideias.
Parece que o enigma do ser é o enigma de uma ideia aflita que se materializa num gesto genesíaco e criador da vida e do existir de tudo e de todos. Do ângulo em me situo nesta manhã, ocorreu pensar que são as palavras que preenchem o vazio das ideias, tanto que já não sei se estou confortavelmente abrigado ou severamente oprimido numa armadilha que me aprisiona ao longo de minha vida. Do ponto de vista da lógica vigente esta reflexão parece destituída de sentido. Mas do ponto real foi assim que recomecei uma nova vida aos 40 anos.
Parece que o enigma do ser é o enigma de uma ideia aflita que se materializa num gesto genesíaco e criador da vida e do existir de tudo e de todos. Do ângulo em me situo nesta manhã, ocorreu pensar que são as palavras que preenchem o vazio das ideias, tanto que já não sei se estou confortavelmente abrigado ou severamente oprimido numa armadilha que me aprisiona ao longo de minha vida. Do ponto de vista da lógica vigente esta reflexão parece destituída de sentido. Mas do ponto real foi assim que recomecei uma nova vida aos 40 anos.
Dessa vida nova eu entendo um pouco porque sobrevivi a uma vida velha que me levaria o supremo desânimo. Hoje, com um pouco mais de experiência vivida, eu diria ao leitor: se alguma vez o abutre do desânimo tentar bater asas sobre você, pedradas nele. Não se deixe abater nunca.
Em qualquer parte do mundo nós, às vezes, nos sentimos vazios e sem ânimo. Mas a vida, a vida real do ser, é esse vazio que sentimos no íntimo das nossas fibras. O vazio é o próprio ser que não se preenche nunca, com nada, nada mesmo. Esse deve ser o enigma do ser e a questão do ser como enigma de si próprio. O vazio do ser, o oco interior do ser, se assemelha ao oco de um copo. O copo é uma casca de vidro ou de matéria plástica, e fora dessa casca não há nada, apenas o espaço vazio. Assim somos nós. Fora da nossa casca nada há. Portanto, o que existe no íntimo do ser é um vazio imenso que espera ser preenchido. Basta uma alegria, uma palavra, o despertar de um sentimento, e logo o vazio se preenche para novamente voltar ao estado anterior. Parece surreal, mas é real. O vazio e o pleno são os fundamentos em contradição permanente em nossa vida, na arte de viver e em todas as artes que embelezam as nossas incertas vidas.
A pintura, por exemplo, carece do vazio, do não pintado para ser o que é. Uma obra de arte passa a existir a partir do seu vazio. A tela é o vazio pintado. Na música, por exemplo, o vazio é preenchido num átimo de silêncio em que as notas se apartam e fragmentam os sons buscados pelo ritmo e pela melodia. A dança, por exemplo, não se expressa apenas pelos movimentos do corpo. A coisa da dança é o espaço vazio onde dança o bailarino. É nesse vazio onde ele, de repente, planta os pés em movimento. O átimo de tempo que dura essa imagem de vazio preenchido pelo corpo é a dança propriamente dita. Portanto, a vida, dentro do oco da vida, como no oco do copo, no vazio de uma página, no vazio da tela do pintor, no vazio do palco, no vazio silente da música e em todos os vazios da vida, comporta a vida plena de um ser que vai se preenchendo com qualquer substância essencial, seja real ou mesmo imaginária.
E para ser conciso, penso que viver é dotar de sentido o que aparentemente não faz sentido algum, como o fim da existência; ou como nos versos de Rimbaud: viver é sentir nas fibras aquilo que os outros imaginam ter sentido em cada impressão, porque, enfim, a arte de viver intensamente é um eterno preencher de vazios.
Essa é a máxima da vida, recomeçar sempre, sempre, a cada dia que principia, mesmo que seja para preencher o vazio de uma página ou o vazio de uma existência que se exalta e se renova a cada alvor.
Essa é a máxima da vida, recomeçar sempre, sempre, a cada dia que principia, mesmo que seja para preencher o vazio de uma página ou o vazio de uma existência que se exalta e se renova a cada alvor.
Ruy Câmara
Escritor
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