O leitor que acompanha este espaço já leu algumas vezes que, na opinião deste colunista, as eleições fracassaram completamente no objetivo de serem espaço de apresentação de propostas acerca do que se pretende fazer no poder. Converteram-se num espetáculo no qual os candidatos estão dispostos a dizer qualquer coisa que o eleitor, coitado, queira ouvir.
O processo inverteu-se: ao invés de os candidatos apresentarem suas ideias e os eleitores escolherem aqueles com quem mais concordam, são os políticos que tentam desvendar o que a população quer ouvir. E, uma vez que cheguem a uma conclusão acerca de qual conteúdo é esse, tratam de providenciar a melhor embalagem publicitária que conseguirem para contar as histórias para eleitor dormir.
Se esse discurso fabricado tem alguma coerência mínima com o que se pretende fazer no poder, são outros quinhentos. E agora, com o início dos novos governos, é renovada a constatação da farsa que se tornou o processo eleitoral.
Na campanha, o eleitor ouviu os candidatos falarem em investir mais, fazer o Brasil crescer, gerar emprego, dotar o Estado de infraestrutura para prestar melhores serviços, dar mais atenção a tudo que é área. Nenhum eleitor ouviu de candidato algum uma palavra sequer sobre corte de gastos, arrocho fiscal, contenção de gastos, limitação a investimentos. Afinal de contas, todo governo acaba precisando adotar medidas impopulares. Mas ninguém vai confessar isso em campanha.
Mas o que fazem a nova presidente da República e o novo/velho governador do Ceará, como medidas de primeiríssima hora? Anunciam cortes consideráveis nas despesas previstas para os próximos meses.
O surreal de tudo isso é o fato de se tratar de governos de continuidade. Dilma Rousseff era a gerente do ex-presidente Lula. Tinha controle operacional das ações de governo superior ao do próprio presidente. E, para se eleger, só fez elogios ao trabalho de seu ultra-popular antecessor. Como é que agora é necessário cortar investimentos previstos no Orçamento?
No Ceará é pior: o antecessor de Cid Gomes é ele próprio. Com que cara vai justificar que a saudabilíssima situação financeira cantada em verso e prosa no ano passado – com bilhões disponíveis para serem investidos, como informava a equipe econômica estadual – de uma hora para a outra passou a não ser tão boa assim, a ponto de demandar arrocho nas contas.
O fato é que todo governo chega cortando gastos. Quando há alternância de poder, está-se no melhor dos mundos. Joga-se culpa no antecessor e pronto. Quem já saiu do poder é culpado pelo que deixa de fazer quem chega. Uma maravilhosa conveniência. Quando são governos de continuidade, a coisa fica mais complicada. Os argumentos inexistem. E, como acontece agora, ninguém se dá ao trabalho de explicar, porque explicação não há.
Ou a justificativa possível é cínica demais para ser proferida: a eleição acabou de passar. A próxima ainda está longe. Para que gastar agora, então, quando se pode fazer caixa para despejar o dinheiro no momento em que ele será politicamente mais conveniente?
Onde estão os que combatem a privatização?
Nas duas últimas eleições presidenciais, um fator decisivo para as vitórias do PT sobre o PSDB foi o discurso contra a privatização. Era um argumento que proliferava sobretudo pelas redes sociais, com militantes aguerridos, revoltados contra o desmonte do Estado promovido pela “privataria tucana”.Mal empossada Dilma Rousseff, surge a notícia de intenção de privatizar novos terminais dos aeroportos paulistas de Guarulhos e Viracopos. Mas não se viu nada daquela indignação tão comum na campanha quando se falava em privatização.
Agora imaginem se fosse José Serra (PSDB) que, na primeira semana de governo, planejasse privatizar o que quer que fosse.
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