ESTE ARTIGO FOI ESCRITO E PUBLICADO NO DIA 31/08/2003, em resposta ao artigo, O que dizer aos filhos, da jornalista, Leila Cordeiro, publicado no Direto da Redação em 31 de agosto de 2003.
"O que dizer aos nossos filhos" quando estamos diante de tantos fatos estarrecedores" despertou-me para uma reflexão acerca da crise de pessimismo que vem afetando a juventude brasileira. Parece certo dizer que o pessimismo de agora é o mesmo de outrora, conquanto surge com o drama-humano fundamental: a sobrevivência e subsistência.
Em sendo as questões de sobrevivência e de subsistência as raízes mais ancestrais do drama humano universal, tudo o que se noticia e que cotidianamente nos acossa o espírito, que modifica o nosso estado emocional e nos faz sentir estranhas sensações de dúvidas, são também elementos fundamentais para a exploração de atividades econômicas que se desenvolvem no bojo do pessimismo humano.
Além da indústria da comunicação de massa e da indústria de matéria descartável, são duas as atividades que mais crescem com a ampliação das misérias humanas neste fim de século no Brasil: a primeira é a indústria da exploração social da fé, que através das ratoeiras monoteístas, se afirma como potência econômica. A segunda é a indústria farmacológica, que se aproveita do retrocedimento moral dos governos e da precariedade dos servições públicos para introduzir novos hábitos de consumo capazes de estimular de forma crescente o consumo desenfreado das suas manipulações químicas.
Embora distintas entre si, essas indústrias (da exploração social da fé e do fomento ao vício farmacológico) se caracterizam por dois aspectos comuns: primeiro, pela capacidade de manter um elevado grau de dependência social; segundo, pela sofisticada tecnologia de produção de lucros crescentes e concentrados. São atividades altamente rentáveis. A primeira porque cuida das nossas mazelas psico-espirituais e a segunda porque ameniza as nossas mazelas físicas.
Atualmente são verdadeiros conglomerados oligopolizados que se fortalecem à medida mesma que a situação geral piora. De aí se vê que as notícias acerca da instabilidade econômica, uma vez associadas aos desmandos cotidianos no âmbito do política, vêm aprofundando o desespero social, o desencanto de mundo, ampliando o ceticismo, enquanto que, ao mesmo tempo, possibilita a ampliação do grau de dependência da sociedade aos fármacos e aos preceitos do âmbito do sagrado.
É de comprovada empiria que, de pelo menos um desses males, físicos ou espirituais, sofremos todos, sem nenhuma exceção à regra e válido é, portanto, dizer que, quanto pior for sendo gerido os negócios públicos, mais aturdido vai ficando o indivíduo, sempre e cada vez mais carente de saúde física, financeira e espiritual, conforme se constata nos crescentes índices de suicídio e de atrocidades que afetam todo o nosso universo real e simbólico.
Por serem crescentes o oportunismo das atividades aludidas, notadamente com o surto de ratoeiras deístas e com o aumento do contingente de viciados em drogas pesadas e soníferos, prudente é que se observe também o crescimento dessas representatividades políticas no Parlamento Federal, nas Assembléias Estaduais e Câmaras Municipais.
Mas há uma terceira atividade que, por despropositada incoerência da cultura vigente, também cresce desenfreadamente. É a industria do desperdício, essa que produz a matéria descartável, o lixo sintético. Ora, numa economia sangrada na carótida, que despolpa, que recrudesce em emprego, em serviços essenciais (saúde, educação, segurança) e que barra o desenvolvimento econômico por rigor e ortodoxia macroeconômica, irracional seria, portanto, fomentar atividades que têm no desperdício a sua alavanca mestra, em detrimento da produção do material durável, mesmo que isso contrarie o discurso que a sustenta, ou seja, a higiene e a praticidade de uso.
Sem entrarmos no mérito dos problemas ambientais ampliados pela indústria da matéria descartável, convém atentarmos para o fato de que o desperdício gerado nos domicílios e que se acumula nas lixeiras, é dinheiro que sai dos salários já minguados para avolumar os aterros sanitários das cidades. Noutros termos, o que poderia ser riqueza distributiva converte-se em desperdício cumulativo e degradação ambiental, fatores estes que comprometem a saúde pública e o bem-estar geral.
Atentos aos debates sobre a crise de consciência em relação aos ataques contra o meio-ambiente, podemos antever o surgimento de grupos de caçadores de votos e de grana dando ênfase ao tema "Natureza" e não será surpresa quando nos depararmos com algum radical pregando em sala de aula, para os nossos filhos, o extermínio do homem para o bem da soberana natureza.
Mas voltando ao ciclos de euforia e depressão social, que em parte decorre das históricas incoerências na construção do nosso ocidental pensamento, antevê-se que, de euforia em euforia e de depressão em depressão, vai o indivíduo moral caminhando sorumbático entre tantos larápios do sistema, tal um andarilho sem alvo último e, por falta de perspectivas concretas, deixa-se arrastar, de um lado pelas forças epistolares das instituições do Além, e do outo pelo discursos populistas dos escroques da política nacional; e isso nos faz lembrar do conto de Nietzsche "Os Cordeiros e as Aves de Rapina", de cuja moral da história é: “Exigir da força que não se manifeste como força é tão absurdo quanto exigir da fraqueza que se manifeste como potência.”
Ruy Câmara
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