"Opinião pública faz STF decidir com os pés no Brasil"
Por Rodrigo Haidar, 12.07.2012
Em uma democracia, é razoável que o Supremo Tribunal Federal tenha a última palavra. Mas tão importante quanto ter o poder de decisão final insculpido nas leis é que essas decisões tenham legitimidade social. Ou seja, que sejam respeitadas pela população. Por isso, o STF tem, sim, de levar em consideração a opinião pública na hora de tomar suas decisões.
É como pensa o professor Joaquim Falcão, advogado, ex-membro do Conselho Nacional de Justiça e diretor da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas no Rio de Janeiro, a FGV Direito Rio. Para ele, a opinião pública deve ser levada em conta tanto quanto os ensinamentos de doutrinadores estrangeiros citados com frequência nos votos dos 11 ministros que compõem o Supremo.
Porém, isso não quer dizer que o Supremo tenha de votar sempre como quer a população. Neste caso, nem precisaria existir. Mas é importante que os ministros coloquem a opinião pública como um dos vários fatores que os levam a tomar suas decisões. “O ministro Sepúlveda Pertence disse uma vez que os ministros não podem decidir com os pés na lua. A opinião pública faz com que os ministros decidam com os pés no Brasil”, afirma Falcão.
Falcão concedeu entrevista à revista Consultor Jurídico ao final de sua aula no curso de Direito para Jornalistas que a FGV Rio ministrou para mais de 40 profissionais de imprensa de todo o país na primeira semana de julho. O professor falou sobre o julgamento do mensalão, os motivos pelos quais o Judiciário se tornou o protagonista dos três Poderes e minimizou os projetos de lei que avançam sobre as atribuições da corte: “Faz parte do jogo democrático”, disse.
O professor contou que o Supremo é o tribunal com o maior número de portas abertas do mundo. Há 36 formas de se recorrer à Corte. Joaquim Falcão ainda afirmou que o tribunal poderia racionalizar as sessões fazendo reuniões prévias não decisórias, a exemplo do que já faz o CNJ. Sobre a TV Justiça, disse: “O importante seria que os ministros se conscientizassem de que quanto mais falam com complexidade, mais perdem audiência ao invés de ganhar”.
Leia a entrevista:
ConJur — O senhor já defendeu que o Supremo Tribunal Federal tem de levar em consideração a opinião da população. Que a voz da sociedade não vale menos do que as considerações de um doutrinador estrangeiro. Mas até que ponto o STF tem de ouvir a voz das ruas?
Joaquim Falcão — Vários fatores influenciam as decisões e os votos de um ministro. É um conjunto de fatores. O principal fator é o normativo, legal. O raciocínio e a argumentação têm de ser feitos com base no Direito existente e também no sentimento de justiça da sociedade, como diria Cláudio Souto [sociólogo e livre-docente em Direito]. Há outros fatores de natureza pessoal, formação, ambições. E há fatores de visões de mundo, noção de qual é o papel do Supremo em uma democracia e quais são os valores da sociedade. Nem sempre se exige que um ministro explicite isso.
ConJur — A opinião publica, então, é um fator importante?
Falcão — A opinião pública é um fator que está mais evidente a cada dia porque trata da legitimidade da instituição. Isso não quer dizer que o Supremo tenha que votar com a opinião pública, mas ele tem que considerá-la. E considerá-la de uma forma aberta, porque não existe uma opinião pública como unidade. Existe um conjunto de tendências, algumas vezes majoritárias, outras não, que tem que ser levado em consideração. Mais ainda: a opinião pública pode ser expressa de diversas formas: pela mídia, pelos seus líderes e também por pesquisas de opinião e pesquisas científicas. O que eu advogo é que o Supremo e os magistrados abram cada vez mais espaço para ouvir a opinião pública do contexto onde ele está, porque nós não livramos ainda de um colonialismo doutrinário jurídico. É mais fácil você citar um autor estrangeiro do que um autor nacional, como é mais fácil você citar uma realidade estrangeira do que uma realidade nacional. A opinião pública, nesse sentido maior, é um modo de fazer. O ministro [aposentado] Sepúlveda Pertence disse uma vez que os ministros não podem decidir com os pés na lua. A opinião pública faz com que os ministros decidam com os pés no Brasil.
ConJur — Como o senhor vê a pressão da opinião pública na cobrança pelo julgamento do mensalão? Vimos até pressões internas para que o revisor, ministro Ricardo Lewandowski, liberasse logo o processo para a pauta...Falcão — Repare que, do ponto de vista legal, os ministros do Supremo estão protegidos de pressões por meio da vitaliciedade, da inamovibilidade e da irredutibilidade dos vencimentos. Mas o mundo legal não é todo o mundo da vida. Então, os ministros do Supremo não estão isentos de pressões políticas não individuais. Podem até ser individuais, mas a cada julgamento do Supremo, a sociedade também julga o tribunal. “O Supremo está desempenhando bem as funções que ele tem que exercer como meu representante?”, questiona o cidadão. O cidadão delegou ao Supremo o poder de decidir o que é justiça e como exercer a coerção legal. Logo, tem que conhecer como é que o Supremo exerce isso. É um direito legítimo dele.
ConJur — O Supremo, então, representa a sociedade?Falcão — A sociedade já conhece a maioria dos ministros. Mas a sociedade quer conhecer quem é Rosa Weber, quem é Luiz Fux e quem é Dias Toffoli diante de questões iguais a essas. Isso é importante para a sociedade, porque vai afetar a vida do cidadão. Querer conhecer não é fazer pressão.
ConJur — O Supremo estabeleceu um rito extraordinário para o julgamento do mensalão, em todos os aspectos. Críticos afirmam que é preciso ter cuidado para que o STF não se transforme em um tribunal de exceção para julgar esse caso. O senhor acha que esse rito especial se justifica?Falcão — Nós temos na FGV um projeto chamado “Supremo em Números”. Fazemos análises quantitativas do tribunal, de 1988 até hoje. Os números mostram que o Supremo nunca encarou um processo com tantos andamentos e com tantos incidentes, alguns até não previstos. Então, é uma situação que tem muito de rotina e tem algo de inédito. E o Supremo não pode deixar de decidir porque não estão previstos determinados tipos de procedimentos. A questão mais debatida hoje é como irá se calcular a pena média em caso de condenação. Então, são decisões cujos ritos não estão previstos de forma rigorosa e o STF não pode deixar de enfrentar.
ConJur — É preciso uma dose de discricionariedade?Falcão — Essa discricionariedade faz parte da democracia. Claro, não se pode impedir o direito de defesa, o devido processo legal e a imparcialidade dos ministros. Esses são limites que têm que ser respeitados. Os direitos ao devido processo legal, à ampla defesa e à imparcialidade não são dos réus, são da sociedade, que está em jogo através desse julgamento. Daí a dificuldade que existe, de um lado um direito coletivo que nós todos temos no trato moral da coisa pública e, de outro, os direitos individuais que todos necessitamos de termos um julgamento imparcial, com plena defesa e com o devido processo legal. Essa que é a tensão que o Supremo vai ter que resolver.
ConJur — O Judiciário se transformou no protagonista dos três Poderes. Quais são as causas disso?Falcão — Uma é a democracia. É razoável que na democracia o Supremo tenha a última palavra. A segunda causa é o impasse partidário e político do Legislativo, a complexidade de uma decisão no Poder Legislativo. É necessária uma simplificação processual dos procedimentos do Legislativo. Hoje, da maneira como está, para sair uma lei tem que ter mais de uma dezena de comissões ouvidas. É extremamente complexo esse processo. E a terceira é que o Supremo, de alguma forma, tem assumido algumas posições contramajoritárias no sentido de avanço social.
ConJur — Que posições?Falcão — A legalidade da marcha da maconha, a permissão de interrupção de gravidez de fetos anencéfalos, a união homoafetiva. São posições que o Legislativo hesitaria tomar nas condições atuais, sobretudo pelos compromissos religiosos. Mas isso, no mundo inteiro, é uma questão de tempo, de timming. O Supremo tem sabido sincronizar com esse setor mais avançado da sociedade. Isso lhe dá um protagonismo muito grande. E outro ponto, que também o “Supremo em Números” mostra, é que qualquer ação de primeira instância acaba no Supremo.
ConJur — O volume ainda é invencível...Falcão — O Supremo, hoje, tem 36 portas abertas para você chegar lá, caminhos processuais. São 36. Já houve 52 portas. Em 1988, tinha 52 caminhos, embargos, agravos, recursos etc. Eram 52 modalidades. Com certeza, é o Supremo com o maior número de portas abertas do mundo.
ConJur — Esse protagonismo tem provocado reações pontuais do Legislativo. Exemplos são projetos do deputado federal Nazareno Fonteles (PT-PI) que avançam sobre atribuições do Supremo. Como o senhor vê isso?Falcão — Como parte de um jogo democrático. Como a expressão da separação de Poder para o poder. O Poder limita o próprio poder. Faz parte. Agora mesmo, a Suprema Corte dos Estados Unidos declarou constitucional o Obamacare, aprovado pelo Congresso. Então, há hoje uma legislação de saúde aprovada pelos três Poderes. A primeira fala de Mitt Romney foi a seguinte: “Como presidente, meu primeiro ato vai ser anular a lei do Obama. Eu vou mandar para o Congresso uma proposta para anular a lei”. Esse jogo não é um jogo estático, é dinâmico. Não temos que nos preocupar com um flash, um momento. Temos de avaliar se a dinâmica está sendo produtiva ou destrutiva para a democracia.
ConJur — E está sendo produtiva?Falcão — Sim. O Brasil avançou como poucos países. Talvez o principal fator de certo prestígio econômico do Brasil seja a estabilidade política e a previsibilidade das normas. Não somos nós que dizemos isso. São os investidores. Perfeita, jamais. Mas comparado com o resto do mundo... A verdade é comparativa nessas situações. Então, é um avanço. Veja a situação da Itália, da Espanha. É muito complicado.
ConJur — O Supremo legisla?Falcão — Essa divisão de julgar, legislar e executar é artificial. A pergunta seria: O Supremo interfere na competência de legislar que deveria ser do Legislativo? Minha resposta é: às vezes, pode interferir, mas cabe ao Legislativo fazer parar isso.
ConJur — A TV Justiça é saudável ao Supremo? O que o senhor acha da ideia de reuniões prévias?Falcão — Eu acho que o Supremo deveria ter reuniões prévias não públicas e não decisórias. Reuniões para conversar, discutir, como se tem em todos os países. E a sessão decisória pública. Pelo que eu entendo, era a vontade do ministro [Cezar] Peluso, mas ele não conseguiu. São reuniões que têm certo grau de informalidade. Não se decide nada, mas se troca ideias entre colegas.
ConJur — Racionaliza a sessão.Falcão — Sim. Simplifica porque você dá mais agilidade. Quanto à TV Justiça, o importante seria que os ministros se conscientizassem de que quanto mais falam com complexidade, mais perdem audiência ao invés de ganhar.
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Rodrigo Haidar é editor da revista Consultor Jurídico em Brasília.
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